Modelo de 3 Células: riscos fiscais e jurídicos no planejamento sucessório
Análise crítica sobre a vulnerabilidade de modelos artificiais que prometem “economias milagrosas” de impostos, como o Modelo de 3 Células
O planejamento sucessório tornou-se uma prática cada vez mais utilizada por famílias que desejam organizar seus patrimônios de forma eficiente, garantindo continuidade, governança e redução de conflitos. Nesse contexto, as holdings familiares consolidaram-se como instrumento legítimo e eficaz, permitindo centralizar ativos, simplificar a gestão e antecipar a sucessão de maneira juridicamente segura. Contudo, paralelamente ao avanço dessa prática, proliferaram na internet modelos que prometem soluções “milagrosas” para reduzir a carga tributária, sem o devido respaldo legal. O mais conhecido é o chamado “Modelo de 3 Células”.
Esse modelo apresenta-se como uma engenharia societária sofisticada, mas que, na prática, é frágil e extremamente arriscada. Ele funciona a partir da constituição de três sociedades distintas.
A primeira é a chamada Célula Cofre, na qual os patriarcas integralizam bens, normalmente imóveis, pelo valor histórico declarado no Imposto de Renda, evitando a tributação de ganho de capital.
Em seguida, cria-se a Célula Veículo, integralizada com as quotas da Célula Cofre. Nesse ponto, realiza-se a manobra central: parte do valor é registrada como capital social e a maior parte como reserva de capital, criando um ágio artificial, sem correspondência econômica real.
Por fim, constitui-se a Célula Destino, integralizada em dinheiro, cujas quotas são doadas aos herdeiros com recolhimento de ITCMD apenas sobre o valor do capital social. Posteriormente, a Célula Destino adquire as quotas da Célula Veículo e, de forma indireta, passa a controlar os ativos da Célula Cofre.
Embora engenhoso em sua aparência, o arranjo apresenta vulnerabilidades que superam em muito a economia tributária pretendida. O primeiro grande risco é a tributação do ágio interno. O valor registrado na Célula Veículo não decorre de uma operação de mercado, mas de transações entre sociedades do mesmo grupo familiar.
A legislação tributária, em especial a Lei nº 12.973/2014, veda expressamente a dedução de ágio em operações entre partes relacionadas. A Receita Federal já consolidou esse entendimento em diversas Soluções de Consulta, como a Cosit nº 111/2016 e a nº 134/2024, determinando que tais valores devem ser tributados como ganho de capital, com alíquotas que podem chegar a 34% (IRPJ e CSLL).
Além disso, no âmbito estadual, a estrutura é vulnerável à desconsideração por ausência de propósito negocial. O artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional autoriza o Fisco a desconsiderar atos praticados com o objetivo de dissimular a ocorrência do fato gerador. Esse dispositivo foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2446, reforçando a legitimidade da atuação fiscal.
Diversas Secretarias de Fazenda, como a de São Paulo e a do Rio Grande do Sul, já lançaram operações específicas contra o Modelo de 3 Células, como a Operação Loki e programas de autorregularização, deixando claro que a fiscalização está direcionada a desconstituir essa prática.
A grande armadilha do Modelo de 3 Células é que ele troca uma carga tributária conhecida, o ITCMD sobre o valor de mercado, por uma série de riscos indeterminados e potencialmente devastadores: autuações federais e estaduais, multas qualificadas, juros, passivos de IRPJ e CSLL, ações judiciais e até representação criminal. Em outras palavras, a suposta economia com ITCMD pode ser integralmente anulada, e até superada, pelos custos decorrentes da tributação do ágio e das penalidades aplicadas.
Denota-se que o Modelo de 3 Células, apesar de sua complexidade formal e do apelo comercial, é uma construção baseada em premissas jurídicas e contábeis frágeis, longe de representar uma solução eficiente, expõe famílias a riscos fiscais e patrimoniais de grandes proporções.
O planejamento sucessório ideal deve ter como pilares a transparência, a legitimidade e o propósito negocial claro. Não há “soluções milagrosas” no direito tributário, e a segurança patrimonial só pode ser alcançada mediante estruturas juridicamente sólidas, que resistam ao escrutínio do Fisco e do Judiciário.